VEJA: A mentira sem fim em nome de Darwin – Parte 1 de 3

segunda-feira, maio 07, 2007

Li cum granum salis a reportagem de capa “A revolução sem fim de Darwin” [requer assinatura do UOL ou da VEJA] de Gabriela Carelli e Leoleli Camargo, VEJA 2007, de 09/05/2007, pp. 112-19 sobre a exposição que abriu as comemorações dos 200 anos de nascimento do cientista que pensou ter explicado como a vida evolui na Terra.

O especial de VEJA é um verdadeiro panfleto encomiástico eivado de inverdades históricas, e clichês que poderia muito bem ser intitulado “A mentira sem fim em nome de Darwin”. Temos denunciado aqui neste blog que o darwinismo se tornou uma ortodoxia oficialmente sancionada pela Nomenklatura científica, e defendida na Grande Mídia tupiniquim com unhas e dentes.

Os jornalistas de VEJA apresentaram Darwin como “um herói da racionalidade” (p.112), como se a humanidade não tivesse seus maiores e melhores representantes de racionalidade anteriores a Darwin; como sempre, polarizaram a questão como sendo ciência (razão) versus religião (irracionalidade) − “há quase 150 anos, ao tirar o homem do centro da criação divina, ele abriu caminho para a ciência moderna” (p. 113). E o que fez Francis Bacon? Onde nasceu a “ciência moderna”? Newton, você não passa de um ignorante e supersticioso de marca maior!

A analogia da viagem de Darwin pelo mundo a bordo do Beagle em 1831 ser “quase tão conhecida e reverenciada [sic] quanto a de Cristóvão Colombo” (p. 114) não ajuda muito. Que a viagem de Darwin é conhecida por muitos eu nem discuto, mas desde quando a viagem de Colombo é “reverenciada”? Reverenciar Darwin ‘cheira’ a culto à personalidade, e os ídolos foram feitos para destruição [Argh, Darwin, mas isso é como cometer iconoclastia]. Quem será o Finéias de Darwin-ídolo?

Por que a analogia das viagens não ajuda? Porque a viagem de Colombo, realmente mudou a ‘geografia terrestre’, e é empiricamente verificável, já a viagem de Darwin mudou em que ‘a alma humana’? Não há nada científico aqui − ‘alma humana’. Além disso, há quase 150 anos as especulações transformistas de Darwin ainda não foram cientificamente comprovadas. O que há é ‘wishful thinking’, mais metafísica do que ciência, e muita discordância entre os especialistas.

Gabriela Carelli e Leoleli Camargo erraram feio ao afirmarem que Darwin “é o autor da teoria da evolução”. E o que dizer de Louis-Constant Prévost, Louis-Melchior Patrin, Jean-Baptiste Lamarck, Julien-Joseph Virey, Jean-Baptiste-Julien d’Omalius d’Halloy, Bory de Saint-Vincent, Ducrotoy de Blainville, Etienne Geoffroy Saint-Hilaire? Darwin é apenas autor de uma entre várias teorias da evolução.

Algumas das chamadas ‘teses darwinianas’ fundamentais foram esposadas por estes autores: ancestral comum, modificação gradual, extinção ao longo do tempo, uniformitarianismo, e a origem primata da espécie humana. Um deles, o físico Patrin propôs que a vida surgiu por abiogênese. Historiadores da ciência destacam que por volta de 1859, a idéia de evolução já era corrente em círculos europeus, nos Estados Unidos, Rússia e Japão.

A exposição, segundo a dupla “Carelli e Camargo”, atraí a atenção que Darwin merece: “herói da razão”, “um inimigo da superstição e da ignorância”. Eu queria saber como que reagiria a comunidade científica do tempo de Darwin que aceitavam a evolução, mas eram céticos de sua teoria da seleção natural (ele pediu licença aos leitores para mencionar tão-somente “dois exemplos imaginários” no cap. 4). Foram esses supersticiosos e ignorantes que obrigaram Darwin escrever quatro capítulos tentando rebater as objeções à sua teoria: 30% da obra! Por que cargas d’água Darwin iria se preocupar com esses ‘fundamentalistas’, ‘crentes da Terra plana’ que não sabem o que é ciência?

Leitores, Carelli e Camargo chamaram a todos nós de ignorantes “magna cum laude”. Uau! Gente, quem não sabe que a idéia de evolução já era encontrada nos filósofos gregos antigos? É que no momento me foge a referência, mas o próprio Darwin reconhece no Origem das Espécies que a idéia de seleção natural já era citada em “antiga enciclopédia chinesa”. Quase ninguém quem cara-pálida, se vez que a maioria dos leitores de VEJA é formada por pessoas letradas?

Eu pretendo visitar esta Exposição Darwin no MASP em São Paulo. Será que irei encontrar esta citação de Darwin?

“Estou bem a par do fato de existirem neste volume pouquíssimas afirmativas acerca das quais não se possam invocar diversos fatos passíveis de levar a conclusões diametralmente opostas àquelas às quais cheguei. Uma conclusão satisfatória só poderá ser alcançada através do exame e confronto dos fatos e argumentos em prol deste ou daquele ponto de vista, e tal coisa seria impossível de se fazer na presente obra”. Charles Darwin, in Origem das Espécies.

Creio que a Exposição “Darwin” não segue a cartilha do Mestre dos Mestres...

NOTAS:

1. P. Corsi (1988).The Age of Lamarck: Evolutionary Theories in France 1790-1830. Nova York, Cambridge University Press.


2. C. D. Darlington (1960). Darwin’s Place in History. Oxford: Blackwell; G. Himmelfarb (1968).Darwin and the Darwinian Revolution. Nova York, Norton; James R. Moore. (1991). Deconstructing Darwinism: The politics of evolution in the 1860s. Journal of the History of Biology, 24, 353-408.