O que é ciência qua ciência?

terça-feira, fevereiro 12, 2008

JC e-mail 3446, de 11 de Fevereiro de 2008.

9. Ciência: conhecimento ou impacto, artigo de Eloi S. Garcia

“Estamos no momento de fazer uma reflexão: a pesquisa deve favorecer o conhecimento, a coisa nova e o progresso da humanidade ou fortalecer o currículo dos grupos, ou seja, se a ciência deve ser feita para descobrir coisas novas ou para publicar em revista de impacto?”

Eloi S. Garcia é pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, ex-presidente da Fiocruz, membro da Academia Brasileira de Ciências e Assessor Estratégico do Inmetro. Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

Há mais de 40 anos, quando ainda estava na Universidade com uma bolsa tipo “iniciação científica”, ainda não tinha claro em minha cabeça o que era conhecimento novo e produção científica.

Aprendia que fazer pesquisa não era somente a objetividade de uma idéia e sim também acreditar veementemente em algo que podia até não existir, mas que merecia a pena ser investigado. A fascinação deste aprendizado era a libertação dos dogmas, das crenças e começar a ver tudo com olhos novos e originais.

Publicar em revista de impacto não era o alvo final do pesquisador, pois sua meta central ao fazer ciência era o avanço do conhecimento e a geração de novas idéias.

Mas, alguns anos depois, o paradigma começou a mudar seguindo os trâmites da grande revolução científica que acontecia no final do século XX. Os cientistas, financiados com recursos públicos ou privados, precisavam comunicar os resultados e descobrimentos relevantes para justificar seus financiamentos e saírem em busca de mais recursos financeiros para manutenção das atividades de seus laboratórios.

A maneira mais eficiente de realizar tal tarefa consistia em publicar seus artigos em revistas de ampla circulação, redigidos em inglês, linguagem universal aceitável pela comunidade científica. O número e a qualidade das publicações começaram a constituir um índice relevante da capacidade produtiva de um determinado grupo de pesquisa.

O Brasil seguiu esta onda e começou assim a febre da publicação se tornando um parâmetro crucial da política científica para avaliar a qualidade e decidir – dada à escassez crônica de recursos - se um determinado grupo merece ser financiado ou não com recursos públicos.

Como conseqüência foram introduzidos algoritmos matemáticos para mensurar o rendimento dos grupos de pesquisa, que passaram a depender do número de artigos publicados e do prestígio das revistas onde eles foram publicados (índice de citação).

Daí vem à questão: historicamente os grandes avanços da ciência têm sido publicados nas revistas mais influentes?

Teoricamente, a resposta deveria ser sim. Mas, isto não é verdade. Talvez até pelo processo de revisão por pares não ser infalível nem completamente anônimo, pois normalmente os revisores de um artigo conhecem os autores do mesmo, não sendo raro que são competidores ou colaboradores em uma área de pesquisa, podendo ter um certo grau de afinidade e simpatia.

Assim, ocorre com freqüência que revistas importantes publicaram manuscritos que são irrelevantes, enquanto descobrimentos relevantes eram publicados em revista de menor impacto. Isto, sem levar em consideração as publicações fraudulentas e escandalosas divulgadas por revistas de grande impacto.

Ainda é importante discutir a razão de número de citações ser importante para aferir a qualidade de um trabalho científico, pois quase a maioria dos artigos publicados atualmente possui baixo índice de citação e outros manuscritos recebem citações negativas.

Estamos no momento de fazer uma reflexão: a pesquisa deve favorecer o conhecimento, a coisa nova e o progresso da humanidade ou fortalecer o currículo dos grupos, ou seja, se a ciência deve ser feita para descobrir coisas novas ou para publicar em revista de impacto?

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Comentário deste blogger:

Após ler este pequeno texto, cheguei à conclusão: apesar de reinar na Nomenklatura científica a ‘síndrome dos soldadinhos-de-chumbo’ [todo o mundo pensando a mesma coisa, e ninguém pensando em nada], existem sim pensadores livres que ousam pensar diferente da Academia!

Eloi S. Garcia, you made my day!