Será que Charles Darwin é mesmo atual e necessário? Há controvérsia...

sábado, março 15, 2008

O lead é a abertura da matéria contendo as informações essenciais que transmitam ao leitor o resumo completo do fato, e responde as perguntas fundamentais em jornalismo: o que, quem, quando, onde, como e por quê.

Foi assim que Boletim CH n. o 132, de 14 de março de 2008, abriu a coluna CAÇADORES DE FÓSSEIS de Alexander Kellner:

Charles Darwin: atual e necessário

A inauguração de uma exposição sobre Charles Darwin no Rio de Janeiro é o ponto de partida da coluna de março de Alexander Kellner. O colunista discute a obra do naturalista inglês, cuja teoria da origem das espécies revolucionou o pensamento biológico. Kellner mostra como é oportuno hoje o legado de Darwin, em tempos de crescimento do criacionismo.

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Neste longo blog eu vou entremear meus comentários, especialmente os históricos, no texto de Kellner com >>> e destacar o texto original com +++

É longo o blog porque é uma réplica a um artigo de renomado membro da Academia Brasileira de Ciências.

Charles Darwin: atual e necessário

>>> Será que Darwin realmente é atual e necessário? Darwin 3.0 já está sendo preparado e até já tem nome: Síntese Moderna Ampliada. A teoria da evolução de Darwin é baseada na seleção natural e xyz mecanismos evolutivos. A SMA não será selecionista. Vide a reportagem especial de Suzan Marzur sobre o encontro de 16 eminentes cientistas no Konrad Lorenz Institute, em Altenberg, Áustria e o meu texto no blog.


Darwin parece ser tão-somente atual e necessário na teoria especial da evolução: microevolução interespécie com limitação de variabilidade genética.

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Colunista discute importância da teoria da evolução pela seleção natural, que completa 150 anos e é tema de exposição no Rio

>>> Kellner parece estar bastante desatualizado na literatura especializada sobre a “importância da teoria da evolução pela seleção natural”: desde quando Darwin elaborava sua teoria selecionista, cientistas como Lyell, Huxley e Hooker, aceitavam o fato, Fato, FATO da evolução, mas eram CÉTICOS da seleção natural de Darwin como o mecanismo evolutivo capaz de produzir toda a complexidade e diversidade de coisas bióticas.

Os céticos da teoria da evolução pela seleção natural continuaram ao longo do tempo. Na celebração de Darwin de 1909 a teoria da evolução de Darwin foi examinada à luz de Mendel, da mutação e da meiose. Vide RICHMOND, Marsha L. “The 1909 Darwin Celebration – Reexamining Evolution in the Light of Mendel, Mutation, and Meiosis”, Isis 2006 97:447-484.

Na “2009 Darwin celebration” a evolução vai ser reexaminada à luz da genômica, da teoria da informação, da complexidade irredutível (Behe), e da informação complexa especificada (Dembski)?

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Acaba de ser inaugurada uma exposição sobre Charles Darwin (1809-1882) no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro, que ficará em cartaz até 13 de abril. Como é de conhecimento geral, Darwin é autor da teoria revolucionária sobre a origem das espécies, que teve influência direta no pensamento biológico desde que foi formulada.

>>> Nada mais falso! A “teoria revolucionária sobre as origens das espécies” de Darwin não teve esta “influência direta no pensamento biológico desde que foi formulada” alegada por Kellner: o Origem das Espécies teve pouco efeito sobre as ciências biológicas da época que já era mecanicista e experimental. As investigações naturalistas de Darwin não contribuíram significativamente para a biologia experimental de sua época.

Kellner não destaca, mas Darwin se viu obrigado a escrever 4 capítulos (30% do seu livro Origem das Espécies) tentando rebater objeções científicas. Além disso, 1909 é o período conhecido em História da Ciência como “a eclipse do darwinismo”. Vide BOWLER, Peter J. The Eclipse of Darwinism: Anti-Darwinian Evolution Theories in the Decades around 1900, Baltimore/Londres, John Hopkins University Press, 1983, pp. 5, 14.

Darwin só vai se recuperar “epistemicamente” nas décadas de 1930 e 1940 com a incorporação da genética mendeliana e as mutações.

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Sua teoria propunha que as espécies não eram fixas e nem tinham sido criadas por alguma entidade maior: na realidade, elas mudavam com o tempo, derivando a partir de um ancestral comum. Mas quais eram as bases para que o naturalista inglês chegasse a essa teoria?

>>> Que as espécies mudam ao longo do tempo ninguém discute. Derivar através de um ancestral comum é que são elas. Alguém já observou a especiação ocorrer através da seleção natural? E o primeiro ancestral comum universal já foi “comprovado” cientificamente através de evidências? Kellner, paleontólogo, sabe que os fósseis não ajudam muito aqui. Aliás, Gould sabia muito mais do que Kellner: o registro fóssil não comprova o gradualismo darwiniano, mas para os atuais paleontólogos dizerem o contrário é suicídio acadêmico. É preferível seguir com o “segredo da paleontologia” não sendo alardeado publicamente...

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De forma resumida, Darwin fez importantes observações que, diga-se de passagem, eram conhecidas pelos naturalistas da época. Em linhas gerais, o número de indivíduos de uma espécie na natureza tende a ser mais ou menos constante. Apesar disso, existe uma grande produção de polens, sementes, larvas e ovos que indica que deve haver uma grande mortandade na natureza.

>>> QED: Darwin não era atual nem necessário aqui, se isso já era conhecido pelos naturalistas de seu tempo. A interpretação que vai ser dada a este fato é que vai ganhar matizes transformistas em Darwin.

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Os indivíduos de uma mesma espécie não são idênticos, mas possuem pequenas variações e diferem em vários aspectos – sejam anatômicos, fisiológicos ou comportamentais. Assim, alguns indivíduos se adaptam melhor a um determinado ambiente e tendem a sobreviver na competição da natureza, deixando um número de descendentes maior do que aqueles que não estão adaptados da mesma forma.

>>> O mais apto sobrevive. Quem sobrevive? O mais apto. Por quê sobrevive? Porque é mais apto. O nome disso é TAUTOLOGIA, e é de nenhum valor heurístico no contexto de justificação teórica porque nada diz.

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Essas características modificadas seriam passadas para as próximas gerações. Como as características mais bem adaptadas também diferem de acordo com cada ambiente, com o passar do tempo, dois grupos de organismos se diferenciariam bastante entre si, dando origem a espécies distintas.

>>> Essa “informação genética” pode ser observada no genoma? Qual é a relação custo x benefício? Em quantas gerações isso se “instala”? 300.000 segundo Haldane, mas ocorre mesmo?

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A viagem do Beagle

Essas idéias de Darwin vieram a partir de observações feitas durante a viagem que ele fez no navio HMS Beagle, que percorreu diversas partes do mundo, inclusive o Brasil. Durante a viagem, o jovem naturalista de 22 anos teve a oportunidade não só de ver muito do mundo natural, incluindo fósseis, mas também de ler livros e trabalhos de outros pesquisadores.

Ao retornar para a Inglaterra, cinco anos depois, Darwin não seria mais o mesmo. Além de ter-se tornado uma celebridade em Londres pelo material coletado, particularmente pelas amostras de mamíferos extintos, ele tinha adquirido muita experiência e em breve publicaria importantes trabalhos sobre os achados do "novo mundo".

>>> Darwin não foi o pesquisador muito meticuloso como tem sido pomposamente alardeado. Muitas das informações sobre os tentilhões de Galápagos estavam erradas, e eles só foram devidamente classificados por John Gould, ornitólogo, que se baseou nas coleções dos marujos do Beagle. Vide SULLOWAY, Frank J. “Darwin and His Finches: The Evolution of a Legend”, in Journal of the History of Biology 15 (1982), pp. 1-53.

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Darwin publicou muito nas duas décadas que sucederam a viagem. Curiosamente, no entanto, nada saiu sobre a teoria que o tornaria tão famoso. Isso fica ainda mais marcante quando se leva em conta que, em 1842, ele já havia escrito um excelente esboço de sua teoria sobre a evolução das espécies, divulgado apenas para alguns cientistas amigos mais próximos.

>>> Lyell, Hooker e Huxley aceitavam a evolução, mas eram céticos em relação à seleção natural. Embora Darwin tenha declarado que a seleção natural fosse “o principal meio de modificação, mas não o único”, a sua teoria é selecionista, e o título completo da obra confirma isso: “A Origem das Espécies por meio da seleção natural ou a preservação das raças favorecidas na luta pela vida”.

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Levando-se em conta a perspectiva histórica, porém, havia um bom motivo pelo qual Darwin, de certa forma, relutava em publicar as suas idéias: a crítica que ele poderia receber de pesquisadores mais estabelecidos e, sobretudo, da Igreja Católica. Ele tinha a exata noção das implicações de sua pesquisa dentro da sociedade vitoriana vigente na Inglaterra na segunda metade do século 19.

>>> Como historiador da ciência em formação, eu ainda não localizei na obra de Darwin essa relutância “em publicar suas idéias” tendo este pano de fundo religioso, a não ser em relação à sua esposa. Mas, Darwin, marotamente seguiu os conselhos de seu pai para não falar a respeito de sua subjetividade. A igreja, Kellner, e deve ter sido um lapso de memória, não era Católica, mas Anglicana que já não era assim uma Brastemp em termos de ortodoxia doutrinária, muito menos a sociedade inglesa que já tinha sido influenciada por dois séculos de Iluminismo, com os seus filhos Thomas Hobbes, John Locke, os deístas David Hume e Adam Smith, e os utilitaristas George Combe e J.S. Mill. Eram esses os ares que permeavam a sociedade vitoriana vigente na Inglaterra na segunda metade do século 19.

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A concorrência de Wallace

Eis que surge, então, o impulso que Darwin precisava: a concorrência. Em um dado momento, o também britânico Alfred Russel Wallace (1823-1913), um pouco mais jovem do que Darwin, lhe enviou um trabalho para ser publicado que continha basicamente as mesmas idéias que Charles vinha guardando para si.

>>> Wallace e Darwin já se correspondiam bem antes do envio deste trabalho. Estranhamente, todas essas cartas foram destruídas por Darwin, menos esta. Por quê???

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Considero Wallace um bom exemplo do que se pode chamar de um pesquisador azarado. Primeiro, ele não tinha riquezas – condição comum aos pesquisadores da época, incluindo Darwin –, e as poucas que herdou se perderam em maus investimentos. Ou seja, tinha que trabalhar muito para se manter, tirando, em parte, tempo precioso de pesquisa. Além disso, teve uma série de acidentes, incluindo a perda de anos de trabalho quando o navio no qual viajava do Brasil para a Inglaterra pegou fogo.

>>> Não só “azarado”, mas lesado na sua primazia de “descobridor” do conceito de seleção natural. Wallace além de não ter “pedigree” como Darwin, ele não tinha QI – Quem Indica. Darwin tinha QI – um círculo íntimo montado em torno de suas idéias (Lyell, Hooker e Huxley) que exerciam influência nos meios científicos da Inglaterra vitoriana.

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Para culminar, Wallace tinha realizado uma grande descoberta e a enviou justamente para o único naturalista que estava trabalhando no mesmo tema e que, além de tudo, era um pesquisador mais destacado que ele! Teoricamente, se tivesse enviado para qualquer outro pesquisador não ligado a Darwin, ou se houvesse tentado publicar diretamente, poderia ter sido ele quem teria recebido o maior destaque pela paternidade dessa teoria. Nesse caso, quem sabe agora seria Wallace o tema central da exposição em cartaz no Rio.

>>> Wallace já trabalhava com o problema da evolução desde 1845. Ele enviou o trabalho para ser enviado para Lyell se Darwin considerasse importante o trabalho.

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Ao receber a carta, um desesperado Darwin conversou com alguns colegas que sabiam de suas idéias e houve um acordo: um trabalho conjunto de Darwin e Wallace foi publicado pela Sociedade Lineana (Linnean Society), em Londres. Nenhum dos dois estava presente – Darwin estava doente, e Wallace, que tinha ficado muito satisfeito com o acordo, sobretudo levando em conta a posição mais destacada na sociedade e no mundo científico de seu parceiro, continuava seu trabalho de coleta de dados na Indonésia.

>>> Os colegas com quem Darwin conversou foram Hooker e Lyell. Darwin usou estas pessoas para conseguir a primazia da “descoberta”. Ao contrário do afirmado por Kellner de que Wallace ficou “muito satisfeito com o acordo”, ele só ficou sabendo deste acordo entre “cavalheiros” [não seria mais acertado chamá-los de “conspiradores”], bastante tempo depois quando retornou para a Inglaterra. Vide BRACKMAN, Arnold C. “A Delicate Arrangement: The Strange Case of Charles Darwin and Alfred Russel Wallace”, New Yor, Time Books, 1980.

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No ano seguinte, Darwin publicava o livro A origem das espécies por meio da seleção natural. A obra foi um best-seller e mudou, para sempre, o pensamento biológico com relação às espécies.

>>> Se tornou “best-seller” porque a primeira edição foi comprada no atacado por livreiros. O Origem das Espécies não é livro, é um longo abstract, mas muita gente desconhece isso. Até cientistas...

Um momento oportuno

>>> Um momento mais do que oportuno para novamente denunciar as distorções históricas desta exposição “louvaminhice” de Darwin.

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A exposição sobre Darwin, organizada no Brasil pelo Instituto Sangari, está correndo o mundo e chega a Londres no ano que vem, quando se comemora o bicentenário do nascimento do naturalista. E por que este é um momento tão oportuno para se evocar as idéias de Darwin?

>>> Kellner, o cientista, vai deixar a objetividade de cientista, e vai mostrar aqui a subjetividade de sua ideologia e antipatia a visões extremas da evolução.

+++ Pelo fato de que existem movimentos cada vez mais intensos, particularmente nos Estados Unidos, de promoção do criacionismo – uma doutrina de cunho religioso que chega ao extremo de postular a proibição do ensino da evolução nas escolas.

>>> Sobre as distorções históricas desta exposição de louvaminhice a Darwin, vide:

Artigo 1

Artigo 2

Artigo 3

Aqui Kellner está em descompasso flagrante com a verdade sobre a questão do ensino da evolução nos Estados Unidos. Não somente em descompasso com a verdade, mas revelando profundo desconhecimento desta questão jurídica americana: desde 1984, após a Suprema Corte Americana ter declarado que o criacionismo científico não pode ser ensinado nas escolas públicas pelo seu matiz religioso, só um idiota continuaria “postulando” a proibição do ensino da evolução.

Diferente do Brasil, onde o MEC/SEMTEC/PNLEM enfia goela abaixo o conteúdo da abordagem da evolução nos currículos e livros-texto, nos Estados Unidos as comunidades podem decidir pelo seu conteúdo. Kellner, você pode ficar sossegado menino, Darwin continua reinando perenemente nas escolas pública americanas.

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Não quero entrar muito nesta discussão, mas considero importante destacar que a ciência e a religião não são mutuamente exclusivas: cada uma aborda diferentes aspectos e ambas devem ser mantidas separadas. Mas é importante que as convicções religiosas não se sobreponham ao consenso científico bem estabelecido há anos de que as espécies mudam com o tempo.

Alexander Kellner
Museu Nacional / UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
Envie críticas, comentários e sugestões para alexander.kellner@gmail.com

>>> Kellner adota uma versão ligth do NOMA [Non-overlapping magisteria] de Stephen Jay Gould, “Rocks of Ages: Science and Religion in the Fullness of Life”, in The Library of Contemporary Thought, New York, Ballantine, 1999, pp. 4-6.

A quem interessa esta idéia de conflito “ciência versus religião”? Tão-somente aos materialistas filosóficos que seqüestraram o naturalismo metodológico para avançar a sua agenda materialista como se fosse ciência e calar a boca dos de concepções religiosas sobre questões de ciência. A ciência moderna se deu com cientistas de concepções religiosas. E não são poucos.

Que as espécies mudam ao longo do tempo ninguém discute. Até os criacionistas e o pessoal do Design Inteligente aceitam isso. O que se discute, e aí sim Darwin seria atual e necessário, é se a teoria da evolução de Darwin fosse heuristicamente robusta e nos respondesse cientificamente as seguintes questões:

A. Questões de Padrão, diz respeito à grande escala geométrica da história biológica: Como os organismos são inter-relacionados, e como que nós sabemos isso?

B. Questões de Processo, diz respeito aos mecanismos de evolução, e os vários problemas em aberto naquela área, e

C. Questões sobre a questão central: a origem e a natureza da complexidade biológica; a “complexidade biológica” diz respeito à origem daquilo que faz com que os organismos sejam claramente o que são: complexidade especificada da informação biológica.

Será que a nova teoria da evolução — a Síntese Moderna Ampliada vai respondê-las? Já que a biologia do século 21 é uma biologia sobre informação genética, será que que a SMA irá acolher as teses da complexidade irredutível de Behe e a informação complexa especificada de Dembski?

Kellner, membro da Academia Brasileira de Ciências, Darwin somente será atual e necessário se “o verdadeiro Darwin” for desvelado pela Nomenklatura científica e pela Grande Mídia.