Conheça as preocupações dos físicos na "era do LHC"

sexta-feira, janeiro 29, 2010

JC e-mail 3940, de 29 de Janeiro de 2010.

18. Conheça as preocupações dos físicos na "era do LHC"

Em reunião nos EUA, cientistas apontam desafios propostos pelo acelerador de partículas

Algumas dezenas de cientistas se reuniram por dois dias em Los Angeles, nos Estados Unidos, a fim de conversar sobre seus mais alucinados sonhos e esperanças para o universo. Ou pelo menos era essa a ideia.

"Quero determinar as questões que serão respondidas ao longo das próximas nove décadas", disse Maria Spiropolu na véspera da conferência, conhecida como "Cúpula da Física de Universo".

A esperança dela era que o encontro, promovido com o apoio de Joseph Lykken, do Laboratório Nacional Fermi de Aceleração de Partículas, e de Gordon Kane, da Universidade do Michigan, replicasse o sucesso de um discurso do matemático David Hilbert, que em 1900 estabeleceu uma agenda com as 23 questões matemáticas que precisavam ser resolvidas no século XX.

Spiropolu é professora do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), e cientista sênior no Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (Cern), nas cercanias de Genebra.

No mês que vem o Large Hadron Collider (LHC), o mais poderoso acelerador de partículas já construído, começará a promover colisões entre prótons e a gerar faíscas do fogo primevo, em um esforço para recriar as condições que predominaram no universo no primeiro trilionésimo de segundo de sua criação.

Os físicos estão especulando há 30 anos quanto ao que verão quando isso acontecer. E agora a hora de desembrulhar os presentes de Natal se aproxima.

Organizada em forma de "duelos" sobre visões de mundo, mesas redondas e sessões definidas como "diatribes e polêmicas", a conferência foi descrita como um evento no qual os físicos poderiam discutir de forma irrestrita aquilo que está por acontecer, evitando as ideias convencionais e "explorando a ousadia, mesmo que sob o risco de estarem errados", de acordo com as instruções que a Dra. Spiridopolu distribuiu por e-mail aos convidados. "Queremos saber aquilo que os incomoda e aquilo que os inspira", ela acrescentou.

Para reforçar ainda mais o clima de informalidade, os participantes foram hospedados em um hotel Hyatt de Hollywood que no passado era conhecido como "casa da baderna", por conta das confusões aprontadas pelos astros de rock que lá se hospedavam.

O eclético elenco de participantes incluía Larry Page, co-fundador do Google, que estava distribuindo os novos celulares de sua empresa como presente aos amigos; Elon Musk, criador do serviço de pagamentos online PayPal e hoje empresário no setor de carros elétricos, que sediou os eventos do primeiro dia na fábrica de sua SpaceX, que está construindo foguetes que transportarão carga e, possivelmente, astronautas para a Estação Espacial Internacional; e o cineasta Jesse Dylan, autor de um documentário sobre o novo acelerador de partículas.

Em uma das tardes do encontro, o ilusionista David Blaine foi ao refeitório da Space X para mostrar alguns truques de cartas aos físicos. O grupo de participantes provou que funciona tão bem na área da preocupação quanto na dos sonhos. "Estamos confusos", explicou Lykken, "e o mais provável é que continuemos confusos ainda por muito tempo".

O primeiro palestrante do dia foi Lisa Randall, física teórica da Universidade Harvard que começou com uma citação de Galileu no sentido de que a Física havia evoluído mais pelo trabalho em pequenos problemas do que pela conversa sobre os maiores - uma das questões de que ela trata em seu novo sobre ciência e o acelerador de partículas.

E por isso Randall enfatizou os desafios que a disciplina terá de superar. Os físicos têm fortes expectativas e defendem teorias elegantes sobre aquilo que vão encontrar, ela disse, mas, assim que começam a observar os detalhes dessas teorias, "elas deixam de ser tão bonitas".

Por exemplo, uma das grandes esperanças é de que surja alguma explicação para o fato de que a gravidade represente uma força tão fraca, se comparada às demais forças primordiais da natureza. Como é que um simples ímã de geladeira consegue manter sua posição contra a atração gravitacional exercida por toda a Terra?

Uma solução bastante popular envolve uma hipótese sobre um suposto traço da natureza conhecido como "superssimetria", que faria com que certas discrepâncias matemáticas nos cálculos se cancelassem mutuamente, bem como produziria uma pletora de partículas até o momento não descobertas - conhecidas coletivas como "wimps", uma abreviatura da expressão em inglês para partículas dotadas de massa e com interação fraca- e, presumivelmente, uma grande safra de prêmios Nobel.

Caso proceda o que os físicos definem como "o milagre das wimps", a superssimetria poderia também explicar a misteriosa matéria escura, que segundo os astrônomos compõem 25% do universo. Mas não existe qualquer partícula de superssimetria que atenda a todas essas necessidades sozinha, apontou Randall, sem que seja preciso alterar de alguma maneira os parâmetros.

Além disso, acrescentou a estudiosa, é preocupante que os efeitos superssimétricos não se tenham demonstrado como pequenos desvios com relação às previsões da Física atual, conhecidas como Modelo Padrão. "Muita coisa não acontece", disse Randall. "Seria de esperar que tivéssemos encontrado pistas, a essa altura, mas não foi o que aconteceu".

O momento é de entusiasmo, ela concluiu, mas as respostas que os físicos procuram podem não surgir tão rápido ou com tanta simplicidade quanto muitos prefeririam. Eles devem se preparar para surpresas e problemas. "Não consigo evitar", disse Randall. "Gosto de me preocupar".

Depois de Randall veio a palestra de Kane, que se define como otimista e tentou provocar a plateia ao alegar que a Física estava a ponto de "contemplar a porção submersa do iceberg". O LHC em breve provará a superssimetria, ele afirmou, e isso permitirá que os físicos encontrem explicações sobre praticamente tudo que existe no mundo físico, ou pelo menos na Física de partículas. Mas ele e outros palestrantes foram criticados por não mostrarem ousadia suficiente nas discussões em mesa redonda que se seguiram.

Michael Turner, da Universidade de Chicago, perguntou onde estavam as grandes ideias, onde estava a paixão? Aliás, ele também perguntou onde estava o universo. O grande avanço descrito por Kane como iminente não inclui explicação para a chamada energia escura, que parece estar acelerando a expansão do universo. Kane resmungou que as soluções propostas para a energia escura não afetavam a Física de partículas.

Outras preocupações foram mencionadas. Lawrence Krauss, cosmologista da Universidade Estadual do Arizona, disse que a maioria das teorias seriam negadas. "Temos a ideia de que elas estão certas porque continuamos falando a respeito delas", disse. Não só a maioria das teorias é incorreta, disse ele, como a maioria dos dados também o são, e estão sujeitos a fortes incertezas iniciais. A história recente da Física, ele afirmou, está repleta de descobertas promissoras que desapareceram porque não foi possível repeti-las. E assim prosseguiu a discussão.

Maurizio Pierini, um jovem físico do Cern, apontou que os testes da nova Física haviam sido concebidos primordialmente para descobrir a superssimetria. "Mas e se não houver superssimetria?", ele questionou. Outra suposição automática entre os físicos - a de que a matéria escura é uma simples partícula, em lugar de todo um espectro de comportamento obscuros - pode não ser verdade, foram informados os participantes. "Será que a natureza realmente ama a simplicidade?", perguntou Aaron Pierce, da Caltech.

Neal Weiner, da Universidade de Nova York, que sugeriu a existência de forças, e não só partículas, no lado escuro, disse que até recentemente as ideias sobre a matéria escura eram propelidas por conceitos de teoria das partículas, e não por dados.

"Aprenderemos em última análise que talvez a coisa pouco tenha a ver conosco", disse Weiner. "Quem sabe o que encontraremos do lado escuro?" Em terminado momento, Mark Wise, físico teórico da Caltech, se sentiu compelido a lembrar aos colegas que o momento não é deprimente para a Física, e mencionou o LHC e outras novas experiências, realizadas no espaço e na Terra. "Não devemos chamar nossa era de deprimente", disse.

Randall imediatamente interferiu. "Concordo em que o momento é bom", disse. "Faremos progresso pensando sobre os pequenos problemas". No segundo dia, a discussão prosseguiu em um auditório da Caltech, e terminou com a exibição do filme de Dylan e com uma palestra histórica de Lyn Evans, o cientista do Cern que supervisionou a construção do LHC ao longo de 15 anos de altos e baixos, entre os quais uma desastrosa explosão logo que o complexo começou a funcionar, em 2008.

Evans parecia relaxado, e disse que "é uma bela máquina. Agora devemos permitir que a aventura da descoberta comece".

Spiropolu disse que já havia começado. Seu detector, afirmou, havia registrado 50 mil colisões de prótons durante os testes do LHC em dezembro, recapitulando boa parte da Física de partículas do século 20. Agora estamos no século 21, afirmou Spiropulu, "e tudo aquilo que discutimos nos últimos dias será necessário imediatamente".

(The New York Times)

(Terra, 29/1)