O que podemos aprender com editores de periódicos de alto impacto?

terça-feira, abril 20, 2010

JC e-mail 3993, de 20 de Abril de 2010.

5. O que podemos aprender com editores de periódicos de alto impacto?

Publicações de excelência têm taxas de rejeição superiores a 90%, rápido processo de avaliação e busca por artigos com equilíbrio entre forma e conteúdo

Nas dependências de um hospital de primeiro mundo, no coração da maior metrópole brasileira, se reuniram, na quarta-feira (14/4), editores de periódicos científicos internacionais de alto impacto.

Meta de publicação para uns, sonho distante para outros, os periódicos Science, The Lancet Infetious Diseases, Journal of the American Medical Association (Jama) e o Journal of Clinical Investigation (JCI) têm muitas coisas em comum: taxas de rejeição superiores a 90%, rápido processo de avaliação, busca por artigos com equilíbrio entre forma e conteúdo, além de defenderem um processo de avaliação igualitário, focado na qualidade científica.

O I Colóquio Brasileiro sobre Pesquisa e Publicações Científicas de Alto Impacto realizou-se até sexta-feira (16/4) nas dependências do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, em São Paulo, buscando diagnosticar as dificuldades que impedem o Brasil de publicar mais e melhor e definir formas de conquistar mais visibilidade internacional.

Dentre os ideais de publicações apresentados pelos editores estão a busca por artigos de qualidade, compactos, originais e interessantes, que apontem novas formas de pensar, tragam a resolução de dificuldades antigas nas áreas de conhecimento, e sejam definidores de novas questões ou técnicas. Até aí, nenhuma novidade. Mas os editores presentes deixaram claro que a dedicação dos autores não deve ficar restrita ao corpo do artigo.

"O resumo é absolutamente crucial", enfatizou John McConnell, editor da Lancet Infectious Diseases. Junto com a carta de apresentação do artigo, constituem materiais que podem definir uma rejeição imediata. Por sua relevância, Ushma Neill, editora da JCI, lembrou que os editores ficam à disposição de futuros autores para pré-avaliar um resumo de um trabalho, antes mesmo da submissão do artigo completo, uma forma de minimizar esforços diante de uma forte concorrência. A Science recebe cerca de 25 mil artigos por ano, enquanto na Lancet esse número é de 11.750, e no Jama, de quase seis mil.

As principais razões para a rejeição de artigos vão desde, simplesmente, não fazer parte do escopo da publicação, até má qualidade, estudos meramente confirmatórios de resultados anteriores, sem contribuir para novos insights, resultados muito preliminares, pouca relevância, discussões e conclusões pouco convincentes, entre outras.

Por trás do complexo processo de avaliação de artigos - há um exército de pareceristas (peer reviewers) voluntários ao redor do mundo, que são constantemente recrutados. McConnell afirma que prefere os pesquisadores jovens, por eles produzirem pareceres, normalmente, mais detalhados e, portanto, de melhor qualidade.

No entanto, a dificuldade é identificar esses especialistas, já que ainda têm baixa produção acadêmica. Portanto, a sugestão colocada pelos editores é que os autores sugiram nomes de possíveis pareceristas, além de apontar aqueles que não devem participar do processo, por haver conflito de interesses. No entanto, Robert Golub, editor-sênior do Jama, deixou claro que "os pareceristas são apenas consultores dos editores, mas não definem sobre o destino da publicação".

Neutralidade de tratamento?

Uma das questões frequentes no debate sobre a participação brasileira em publicações de alto impacto não passou despercebida no Colóquio: existe diferença na avaliação de artigos escritos por autores cuja língua materna não é o inglês, sobretudo de países pobres? A resposta de Pamela Hines, da Science, foi consensual entre os editores: "Para nós, não importa o país, a instituição ou quem é o autor. Nos importamos com o conteúdo intelectual do artigo".

Embora o discurso esteja dentro da tradicional visão da ciência universal, isenta de valores socioculturais, Márcia Triunfol, consultora de publicações científicas da empresa Publicase e organizadora do evento, lembrou o fato dos revisores de periódicos de alto impacto usualmente solicitarem que artigos de brasileiros - e o mesmo poderia ser dito para outros países - sejam revisados por nativos da língua inglesa.

"Nunca poderemos atender a essa exigência, porque teríamos que nascer de novo", lamentou, "seremos sempre dependentes". Triunfol acredita que está na hora dos editores darem outro tratamento aos autores de países que não são falantes nativos do inglês.

O evento é voltado apenas para a comunidade do Albert Einstein, que contou com participantes que preencheram pouco mais da metade da capacidade do auditório. Mas, certamente, trata-se de uma importante iniciativa para fomentar o debate de um ponto que o Brasil precisa enfrentar: apesar da conquista recente de um 13º lugar no ranking de produção mundial de ciência - segundo dados referentes a 2008 no banco de dados da Web of Science (WoS) - , o país ainda precisa melhorar os números de citações que seus artigos recebem.

Segundo Rogério Meneghini, um dos fundadores da biblioteca virtual SciELO - terceiro maior banco de artigos científicos de acesso aberto do mundo -, atual coordenador científico da instituição e palestrante do Colóquio, embora a participação brasileira na produção científica mundial tenha tido o maior incremento entre as nações no ano de 2008 - mesmo considerando a entrada de nada menos do que 32 novos periódicos no sistema de indexação internacional WoS -, o número de citações por artigo ainda é baixa, em média 2,58, semelhante à Índia, mas inferior à China (3,73).

Dentre os exemplos citados por Meneghini estão as publicações no campo de saúde pública, nas quais o Brasil se destaca como terceiro no ranking de produção de artigos, muito embora o número médio de citações que cada artigo receba seja inferior a 1 (0,95, no ano de 2008).

A expectativa do evento, segundo Luiz Vicente Rizzo, um dos organizadores e superintendente do Instituto de Ensino e Pesquisa do Albert Einstein, é melhorar a performance brasileira nas publicações internacionais, otimizando o potencial que a ciência nacional já possui. "Não tenha medo de ter um artigo rejeitado na Science, você estará em boa companhia", brincou Pamela, lembrando que o periódico rejeitou cerca de 94% dos artigos recebidos em 2008.

(Revista ComCiência, 15/4)